Novas vidas possíveis no Mirante do Vale 

 Um castelo de areia com móveis de nuvens, uma praça conquistada pela vegetação, uma cápsula securizada para passar tempos de quarentena... O que tem em comum esses espaços? 
São futuros possíveis para uma mesma sala: um antigo escritório no maior arranha-céu de São Paulo. 

Em setembro 2020, o espaço Andar43 publicava no Archdaily e na BaseColaborativa um convite-desafio: imaginar novas vidas para uma sala de 70 metros quadrados, situada no penúltimo andar do edifício Mirante do Vale, bem em frente ao Vale do Anhangabaú. “O que poderia brotar aqui, tão alto, no meio do concreto?” questionava o concurso.

Ler o edital do concurso.

O espaço serviu de folha branca, inspirando uns 30 proponentes: entre coworking utópicos e refúgios distópicos, sofá-palco e camas dobráveis, o conjunto de propostas acabou formando uma cortina-patchwork, através da qual se adivinha alguns medos e aspirações de nossos tempos. 

Corona, ágora e memória 


Antes de entrar, passamos por “uma cabine de vidro para a desinfecção”: a crise sanitária deixou sua marca em muitos projetos. “Cromoterapia”, “biofilia”, “neuroarquitetura”, muitos proponentes foram além da ideia de conforto, idealizando refúgios que protegem e curam, com horta ou plantas que filtram o ar. Estes oásis não deixam de ser modulares, permitindo trabalho e diversão, sem sair ao mundo inóspito.

Mais otimistas quanto ao futuro, muitos esperam um novo impulso para a vida social e pensaram o espaço como ponto de encontro, procurando uma maneira de tecer vínculos com o prédio e seu entorno urbano. Esta vocação quase política estimulou estudantes e jovens arquitetos, que procuraram reencantar nosso cotidiano através de ágoras poéticas (vejam abaixo as propostas premiadas).

A vontade de reinventar o lugar sem traí-lo norteou boa parte dos projetos, inspirados pela personalidade do Mirante do Vale e pela arquitetura moderna. Vendo “o habitar” como um processo, alguns esperam que os afetos e os gestos dos visitantes deixem suas marcas no novo espaço, continuando a história.

O júri do concurso, composto por Michelle Jean de Castro, André Scarpa, Paula Monroy, Igor Spanger e Charly Andral, selecionou quatro vencedores. 

Os quatro projetos premiados :

 Se encaixar no “Cubo”

 O "Cubo" da Ana Clara Santana consiste num monolito caído quase que no meio da sala. Cama, cozinha, banheiro, todas a funções vitais se encaixam nele. Fechando armários, painéis e portas, ele fica como um monolito misterioso. 

Ao conter tudo, deixa o resto do espaço livre para circular, trabalhar, expor... Na verdade, esse cubo solto poderia caber em qualquer sala vazia, tornando-a habitável. 

Se pode imaginar até produzir “o cubo” em série: padronizar para melhor "escalar", foi justamente o gesto dos bastidores do Mirante do Vale, que empilharam mais de 1000 salas comerciais, todas iguais. 

Habitar, entorno da fogueira 

Em contraponto aos espaços compostos pontos ortogonais, o projeto "três paus, três redes, fogo" forma um triângulo. O arquiteto e antropólogo Thiago Benucci se inspirou na configurações dos acampamentos da Amazônia: As redes se estendem entre três árvores, delimitando um espaço triangular, no qual se prepara o fogo.

Muitos proponentes exprimiram um desejo de natureza. Imaginaram trazer terra, areia, instalar fontes-cachoeiras e paredes vegetais. Ao preferir deixar a sala vazia, nua no seu concreto, o Thiago Benucci nos força a encarar onde vivemos: uma selva de pedra. No fundo, do que precisamos para realmente habitá-la?

Sentir o vento

 “Precisamos da sensação do vento sobre nossa pele”, ressentem o arquiteto Marcos Davantel e Cinthia Pereira, estudante em Design. Com o projeto "Coexistência Entre Ver e Sentir", aproveitaram o maior trunfo da sala, a altura, sonhando instalar uma sacada vertiginosa, feita de uma rede tensionada. 

Tirando os vidros, abolindo o limite entre interior e exterior, nos puxam nos braços do sol e da garoa. E voltamos a tremer quando chega a tempestade. Agora sim, realizamos o quanto muitos espaços cotidianos, com suas luzes brancas e suas temperaturas controladas, acabam atrofiando nossos sentidos.

A fachada do edifício sendo tombada, este projeto ficará sem dúvida como uma utopia. E Pasolini aqui citado para nos consolar: “Por que realizar uma obra, quando é tão belo somente sonhá-la? 

Costurar nuvens 

 Tem cinema, vento e água também no “castelo de areia” imaginado por Viktor Dopke. Tal qual crianças se inventam histórias, este diretor de arte e estudante de arquitetura fez surgir um universo poético usando poucos recursos, e muita imaginação. 

O cenário do Viktor fica de cabeça para baixo: trabalhamos aninhados em nuvens (de tecidos recheados) e cima de nós, no teto da sala, se reflete um oceano (de aço martelado). Viktor espalhou também painéis de madeira, nos quais recortou janelas. Abrindo novas perspectivas, ele possibilita infinitos recortes do panorama… para nunca cansar de trabalhar em castelos de areia